23:54. Janela do quarto aberta, sentado no parapeito, observa as pessoas que passam na rua. Acende um cigarro, não larga ao copo, nem se levanta pois tem o colo ocupado. O sino da igreja relembra-o do fim de mais um dia. Imediatamente começa um novo dia, muito igual aos restantes de que se lembra. Já são no fundo 28 anos de dias, e tirando algumas excepções como sejam a primeira vez que foi ao cinema, que entrou para a primária, que saiu à noite, que se fez um homem, que entrou na faculdade, que se apaixonou durante meia hora, todos os dias lhe parecem um pouco como aquele, em que o calendário não é mais do que um apontamento.
Pousa o copo no parapeito. Pega na garrafa que ninguém diria que abriu nem há duas horas, e deita mais um pouco. Gosta de gelo mas a verdade é que lhe é impossível pôr-se de pé naquele momento e também não é que fosse mesmo buscar gelo, mesmo que não tivesse as mãos e o colo ocupado, a cada copo parece-lhe menos necessário. Pega num garfo que já é mais da sala do que da gaveta dos talheres e começa, como quem aperta uma bola de borracha para aliviar o stress, a tentar enfia-lo na tomada que se encontra mesmo por debaixo do parapeito, sem que veja as suas tentativas, perdido num olhar de quem há muito não tem contacto com a realidade.
Também não precisa. Contabilista licenciado, melhor da sua turma, profissional reputado, vai todos os dias para o escritório de uma empresa de renome que o contratou ainda antes de acabar o curso em piloto automático, e é desse modo que faz o seu trabalho e é do mesmo modo que lhe passa ao lado os comentários dos colegas sobre si, o olhar de soslaio que lhe atiram, cada vez com maior ferocidade perante a apatia com que lhes responde, e as preocupações do chefe que o miúdo possa ter frito um fusível. Não sabe, não soube e não teria feito grande diferença na verdade se soubesse.
Contudo tem perfeita noção que é damaged goods. Portanto quando a mãe e os poucos amigos que lhe restaram lhe ligavam, antes de desligar o telefone da ficha e mudar o número de telemovel para evitar tentativas patéticas de fazer uma intervenção à americana, onde lhe recomendavam um amigo de um conhecido lá do trabalho, que dizem que é bom a lidar com estas coisas ou um terapeuta de renome que foi à televisão no outro dia. Preferiu assim, evitar o contacto, pois nunca teve coragem de lhes dizer que sabia que aquilo não tinha conserto, que ele não passava de uma daquelas máquinas que depois de feita a manutenção pelo técnico somos relembrados que é até ao dia e depois nada a fazer, lixo.
Para além de que assumir que de facto não estava bem ou simplesmente ser honesto com o que sabe ser certo sobre si, é um pau de dois bicos que termina sempre num cenário de humilhação. E o seu orgulho era o que lhe restava, não pretende ajuda, nem que tenham pena dele. Só mesmo que o deixem estar em paz.
Serve mais uma dose, enquanto pensa que talvez só uma garrafa tenha sido pouco. Enrola um cigarro, acende, observa o fumo que lhe sai dos pulmões e a ponta do cigarro a arder no escuro.
Olha lá para baixo e balança-se no parapeito, brincando na mesma com o garfo, sem noção do que lhe tinha sido dito pelo senhorio, com um ar sinceramente mentiroso, o quanto aquelas casas antigas, apesar de muito bem restauradas, tinha de se ter cuidado, que sobretudo com o encaixe das janelas que se encontrava irremediavelmente um pouco solto, não convém que se apoie muito lá. Não ouviu também, mas seria pouco provável que essa informação o tivesse feito alterar o uso daquele ponto da casa como seu lugar de eleição desde que para ali se mudou, após a tentativa falhada de viver com a namorada.
Esvazia o que resta da garrafa, servindo claramente um duplo, enquanto se diverte, se é que ainda se pode dizer que sente qualquer tipo de sentimento positivo ou reconfortante, a pensar como é que acabou ali, no seu cantinho, sozinho.
Talvez.. talvez tenha começado com a falta de novidades, de coisas interessantes que o motivassem. Sem dúvida que foi da maior importância o quão desinteressantes as pessoas são após 2 minutos de conversa, ou pior, o como isto não muda. Nunca. Quer dizer, excepto ela. O dia em que percebeu que odiava contabilidade também teve o seu papel. Não se esquece, já que foi no seu primeiro dia de aulas, durante a apresentação do coordenador do curso. A excessiva perfeição da sua família, onde não existia um problema, onde nunca se ouviu um grito, ou mesmo alguma vez se observou um escândalo familiar ou, no fundo, alguma manifestação para lá do cordialismo que em sociedade se pede, também o influenciou por certo. Não tem essa noção, mas dos 12 aos 17, o período no qual vivia absorvido por filmes, revistas, o impacto do Verão na roupa das mulheres e os apalpões às colegas que lhe sorriam, enquanto lhe batiam e gritavam dissimulando mal o prazer que aqueles segundos de atenção lhes dava, foi talvez dos mais relaxados que teve. Infelizmente, o primeiro orgasmo, seguido do primeiro cigarro fumado, de mentol, que foi a única coisa que não pagou numa tarde passada numa pensão na Defensor de Chaves, também lhe tirou esse interesse. O facto de ser giro e inteligente, e nunca ter que verdadeiramente se esforçar para nada, decerto, não ajudou. Mas ter ouvido, quando entrava em casa, um pouco mais tarde que o habitual porque o trânsito na Marginal estava impossível, um estrondo, que segundos depois pode associar aos pedaços de cérebro e sangue espalhados na parede do quarto, acompanhados de uma nota de suícidio que o culpava pelo fim antecipado da vida da única pessoa no mundo que o mantinha ligado à realidade, será a razão que, mais tarde, foi por todos avançada para explicar como foi que chegou ao estado decadente e out of touch em que se encontrava.
Na televisão ligada começava agora as notícias da manhã. Olhou sem ver para a televisão durante alguns segundos, nos quais pegou então na arma que tinha no colo, e largando o garfo, bateu distraídamente com o cano no rebordo do copo. Bebe o que tem no copo de uma vez sem perder contacto visual com a televisão, só olhando para o colo para tirar a patilha de segurança e apontar a arma à cabeça. Mas já não conseguiu disparar. O contacto entre o vidro fino e o cano da arma foi o suficiente para fragmentar o copo e, sem que se tenha apercebido, partiu-se um bom bocado, que se crava na sua garganta e numa numa reacção espontânea de pânico o leva a mexer-se um pouco para trás com algum violência, o suficiente para parte da estrutura da janela ceder e ele cair lá em em baixo na rua, com um estrondo que foi quase imediatamente seguido de um grito de uma miuda que distraída pelo sono a caminho da escola, se assustou com a queda de um homem do 4º andar, menos de 1 metro à sua frente.
Caído no chão, surpreendido com o seu próprio fim, seria de esperar que o pânico e a dor lhe ocupassem os últimos segundos vida. Mas não, até naquele momento em que ainda se encontrava milagrosamente consciente, manteve-se aquela raiva surda que o comeu por dentro nos últimos anos de vida. Porque o que lixava, mas lixava mesmo, era não entender como foi possível nunca se ter sentido culpado.
Gente estúpida por certo, quererem justificar as minhas acções. Mas que justificação? O que também não significa que tenha feito algo de errado. Simplesmente dividiu o mundo em dois tipo de pessoas: As que acham que produzem e desse modo contribuem para alguma coisa, pobres estúpidos, e aqueles que simplesmente desconstroem sabendo que o fazem. Porque raio tentou ele ser correcto, ser boa pessoa, praticar o bem? Ah ah que ridículo! É tão mais facil esticar a perna, mandar uma pedra, colocar C4 e observar o fogo de artifício.
Na verdade sabe que o que verdadeiramente o difere das outras pessoas não é o facto de, mesmo que só muito recentemente, ter vontade de destruir. Isso é o que a sociedade reproduz desde sempre através de uma educação disfuncionalmente cuidada. A justiça é utilizada quando dá jeito, a palavra distorce a realidade e destrói as pessoas pela violência e pelo cansaço com tanto ou maior força que as acções em si, em suma tudo é justificável quando no próprio interesse. Bate com a pistola na cabeça por não compreender porque raio tanto se esforçou para ser melhor, no fundo alinhando neste jogo, sofrendo cada vez que destruía de "forma aceitável".
O que o difere é o ter noção que destrói e em vez de se penitenciar, bem melhor é aceitar isso como um facto, aperfeiçoar a sua técnica e aprender a retirar prazer disso. Porque o mundo à sua volta é um parque de diversão onde a dor anda à solta, desde o chefe que diminuía os seus colegas ao máximo mas que por alguma razão achava que ele o compreendia, aos amigos interessados em fazer os filhos vencedores a todo o custo ou ao gerente de loja do supermercado lá do bairro que lhe sorri enquanto põe punha lixívia nos caixotes do lixo para que os sem abrigos não pudessem ir buscar alimento para o dia. A razão para estes comportamentos comuns e aceitáveis? Porque razão todos estes acham que os entendo?! Se calhar, perceberam que tal como eles, eu era um filho da puta e que só precisava de um leve empurrão para sair do armário. Seja como for, agora é compensar o tempo perdido e tirar o máximo prazer destes factos divertidos da vida e de, ao mesmo tempo, acabar com estas formas de competição.
Enquanto se senta no sofá e puxa de um cigarro, deita whisky num copo que trouxe da cozinha. Nisto, um riso histérico, descontrolado, fazendo-o debruçar-se, rolar no chão, só conseguindo parar muito depois de ter começado. Porquê? Digam lá que não tem piada que a sua mulher tenha decidido que o quarto dos dois era o sítio mais indicado para levar o gajo que a anda a comer, no mesmo dia em que ele é despedido e decide, contra toda a probabilidade da sua natureza pacífica, confrontar o chefe com uma arma colada à sua cabeça? O chefe, pelo feitio de frustrado que tinha, não terá achado muita piada ao ter uma bala enfiada no meio da testa. Mas a sua mulher, dotada de um excelente sentido de humor como era, o mais certo era ainda estar no chão a rebolar a queixar-se que já lhe doía o estômago. Porque, porra, tem mesmo muita piada.
Porque se algo que João não está é infeliz. E com esta arruma logo os teólogos da resposta fácil. Mas também não está feliz. Está, sabe lá, confuso. É da idade avançam logo outros estudiosos do café da esquina, como se houvesse uma idade para ter dúvidas e a partir de um determinado ponto na vida só podemos ter certezas.
Gosta da vida que leva sem dúvida, mas já há muito que esta perdeu a magia da primeira vez e da novidade, as ganzas começam a bate-lhe mal e primeiro que se embebede em dia de festa existe cada vez mais a probabilidade de lhe dar um sono e um cansaço daqueles que só apetece estar em casa a fazer qualquer merda que não envolva muito esforço. Mas também este desperdício do tempo que algo, alguém ou o acaso nos concedeu para utilizarmos, mas não teve a decência ou as boas maneiras de dizer qual ponto exacto do seu fim, ou pelo menos fazer uma alusão qualquer, só avisa que se nada acontecer antes, lá para os 80 vais desta para melhor, bates as botas, bem escolhe a expressão que te serve mas acho que percebeste a ideia, também lhe parece pior.
O que João não entende ou se calhar entende bem demais é que não se sente motivado. Mas também não faz nada para se motivar. Porque gosta do que tem, mais do que nunca, mas ao mesmo tempo é como que uma doença, aos poucos, vai-lhe tirando a vontade, empurrando-o para o vazio, para o conforto do esquecimento, para o desperdício do nada.
Mas também o que é desperdício e o que não é? E existem uns que merecem mais e outros que merecem menos ou simplesmente somos atirados para a arena e é cada um por si? Pelo menos é assim que nos comportamos, mesmo aqueles que parecem mais puros e bem intencionados. Mas todos nós sem excepção, utilizando métodos mais agressivos ou mais subtis, caminhos para que o nosso moinho vá tendo a agua que nós queremos.
E se calhar é isso que nós somos, pessoas mais ou menos desesperadas (consoante cada um de nós), a tentar controlar o rio para ver se o moinho roda á velocidade que nós queremos e moa aquilo que queremos moer, quando queremos moer, como queremos moer.
E já não basta isto ser complicado e ter consumido a vida dos melhores, sem que estes tenham encontrado sequer príncipio de resposta e parece que já vejo, ao longe, aos berros e com as veias do pescoço quase a saltarem da excitação cega que trazem vestida, quem venha dizer que isto é tudo subjectivo porque também existem moinhos a vento, portanto isto cada um tem o moinho que quer, ou que lhes foi concedido, e que cada moinho funciona a seu modo e que pronto fazem com que esta tentativa de perceber alguma coisa passe a mais uma tentativa que só dá razão aos que dizem que isto não se explica.
Se não se explica, cheira-me que fui enganado. Porque não era isto que a brochura prometia.
Bem, que se lixe o moinho (mete as balas), as teorias (tira a segurança) e os finais poéticos (mete o cano na boca), vou é ser feliz.
Sentado no café, pensa no quanto não tem nada de excepcional e mesmo assim acha-se fantástico e sabe as coisas que mais gosta: adora o sol, a praia, copadas com os amigos, mulheres, melhor que isto tudo só a combinação deste grupo de coisas. Ah e a merda do tabaco, que anda a tentar largar há dois anos, tendo aguentado um recorde de uma semana até dia 8 de Janeiro, numa daquelas promessas estúpidas, que só gente estúpida como ele se considera, sequer supôe. Devido a essa brincadeira, teve um acidente (do qual foi o culpado) que o fez ficar sem o carro 2 semanas, pôs a sua secretária de baixa, deu cabo das unhas, dormiu pouco e mal, em suma, teve uma primeira semana do ano de merda até ao momento que às três da manhã comprou o seu primeiro maço do ano.
De repente ela chega, e a empregada que tinha uma mini-saia que quase o fazia perder a concentração, o jogo que estava a acompanhar enquanto se perdia nas suas ideias, a ressaca da noite de ontem, eclipsaram-se, ficou aparvalhado uns segundos o suficiente para deixar cair o cigarro no café, o que o fez levantar-se com um "merda" para pedir outro café fazendo-o cair misturado com o cigarro para cima do casaco beje que ela trazia, que lhe tapava aquelas formas fenomenais, felizmente que o sorriso que o deixava ainda mais parvo estava vestido como sempre, descontraído e seguro, mesmo quando acabava de perceber que provavelmente nunca mais iria poder utilizar aquele casaco que tanto gostava.
E nestas coisas, como qualquer gajo, pergunta-se como foi acabar assim, apaixonado, inquestionavelmente absorvida por aquela mulher maravilhosa, incapaz de perceber como fica assim tão parvo perto dela, tão fascinado, ao ponto de saber a cor exacta do casaco dela, de identificar o seu cheiro na multidão e ficar desconcertado, de se esquecer que era naquela paragem que tinha que sair porque estava a pensar nela.
Pensa que provavelmente gosta mais dela do que da sol, do que da praia, do que as copadas com amigos, do que alguma vez gostou de outra mulher.
Talvez porque consegue aquilo que nenhuma daquelas coisas consegue: fazer com que o seu Inverno lhe pareça agradável.
Já ninguém escreve cartas de amor. Talvez porque se tornou demasiado piroso ou porque são de facto muito pirosos a maioria dos que as escrevem ou talvez ainda porque poucos as sabem fazer. É uma dúvida que me assola. Porquê? Porque na verdade seriam todos escritores eloquentes no tempo de antigamente? E o que é necessário para escrever uma carta de amor? Pois eu acho que o jeito conta para pouco se é o sentimento que vai ser analisado. Na verdade é o sentimento que deve sempre ser analisado. Uma carta de amor se não tiver sentimento não é nada, é somente uma folha de papel com linha e umas letras vazias, tão vazias quanto um balancete de contabilidade. E a carta de amor é vazia se não for lida para quem foi escrita, como se só essa pessoa tivesse o código para a decifrar. Por isso quem a escreve tem medo de ser gozado, porque não existe quem não as tenha feito, nem que seja em pensamento, nem que seja em sonho, nem que seja falando, com quando dizemos algo brilhante que não conseguimos repetir. Sim as cartas de amor são muito paneleiras. Mas o amor é paneleiro e ainda bem que o é.
No fundo Francisco sempre padeceu de um narcisimo que já esteve mais longe de se inserir naquela mania de superioridade europeia que sempre considerou (e considera) insuportável, mas que sempre o fez rir, porque não existe nada melhor que gente sem noção da sua pretensiosidade. Em suma, nada o diverte mais que os "pseudos" da sociedade, mesmo quando se trata do seu projecto de pessoa.
Um dos pseudos que sempre observou, algumas vezes tendo mesmo manejado estes pseudos literalmente entenda-se, foram as "pseudo" provocantes, meninas que acham que são boazonas, giraças, chamem-lhe o que quiserem. E algumas são!, casos que, se retira o pseudo. O problema são aquelas que não são, não que as que o são sejam menos rídiculas atenção, só mesmo porque não têm tanta razão para se "acharem" com as que o são de facto. Acha que compreende, sem que na verdade concorde, porque tentam meter fotos em profiles de uma qualquer social utility, onde tentam mostrar as mamas que só o soutien alcochoado lhes permite ter, a barriga que só metendo o estômago para dentro parece estar quase em forma e o rabo com o qual nunca estão contentes, mas até que aquelas calças o fazem bastante apreciável. Não pensem que considera a vaidade uma futilidade, fazemos bem em ser vaidoso, mas como tudo na vida tudo deve ser q.b. e sempre com noção para não caírmos no rídiculo.
Que pretendem esta grande maioria de miudos e miudas da nossa sociedade, mesmo os com mais de 20 anos? Ir de encontro às expectativas de uma sociedade materialista? Ou esconder o facto de que não têm nada de interessante para dizer, coisa que só vos preocupa à noite no silêncio da cama, quando não estão rodeados dos vossos amigos igualmente ignorantes, igualmente contentes por não serem assim tão desinteressantes, mas que na verdade são?
É que honestamente já ninguém é envergonhado. Porque já todos somos os maiores. Só se é envergonhado quando se é feio ou para fazer jogo de menina pura. A vergonha está directamente ligada ao grau de beleza e quando não está, não é infelizmente sinal de nada de bom. Mas devia. Porque raio é que somos todos SÓ materialistas? Sim porque não é contra o materialismo, sabe o quanto adora um bom corpo, uma mulher bem vestida, um sorriso bonito. Fazem parte das coisas boas da vida. Mas se isto não estiver ligado a uma pessoa interessante, cativante, preocupada com algo que não o seu próprio ego, vale mais que uma noite de sexo, duas se for boa na cama? Não, acha que não. E francamente acha que só pode ser muita cega de alma a pessoa que sendo deste modo, 99% das mulheres com quem esteve até hoje, não entende porque não lhe ligou mais após aquela noite.
Acha que as pessoas deviam ter menos preocupações sobre rapazes e raparigas, ser mais seguras de si mesmas, estar mais desligadas dos materialismos, ter uma visão mais alargada da realidade. E acha rídicula que só conheça uma mão cheia de pessoas assim. É uma pessoa assim que procura.
Sabe que é por ser tão pretensioso, tão exigente com os outros à sua volta, que raramente pôs a hipótese de ter algo sério com alguém. Adora ser arrogante quando é, mas não gosta menos de ser prestável quando o tem que ser. Por ele raramente alguma está mesmo mal no que toca a si mesmo. Mas sempre foi a desilusão do nada que o rodeio, com a ridicularidade que sempre lhe parece as relações dos seus amigos e conhecidos à sua volta que o mais assustou. O modo como começavam, por carência ou por ser "o melhor que se arranja até se conseguir uma miuda mais gira", duas coisas nunca assumidas mas sempre facilmente subentendidas, como discutiam e tinham ciumes quase numa lógica de "tem de ser" (mas tem de ser porquê? gosta-se mais de alguém porque se fazem cenas de ciumes horriveis, ou provas de amor envolvendo relogios com a fotografia do casal? Ok esta última claramente é preciso ter uns tomates gigantes para se andar com um relógio destes, I'll give you that).
Diz isto tudo, tal como dizia antes, mesmo estando apaixonado. Já não nega. Sabe que é verdade. Quanto a isso acha que pode ser o início de algo muito bonito. Se vai ser, não sabe, sabe apenas que por agora tudo corre bem, mas também sabe pelo que viu á sua volta e alguma experiência própria tudo corre bem ao ínicio. Acha que se existir honestidade e partilhas de prismas quanto ao modo como viver algo em comum, no fundo partilha de valores, é mais que meio caminho andado para se ser feliz e Franciso sente que encontrou alguém assim. Pensa isto entre dois beijos a Inês, enquanto a olha nos olhos e pensa que já não quer perceber toda a futilidade do mundo, toda a arrogância em nada construtitiva, prefere nunca sair da idade dos porquês ou simplesmente considerar que existem coisas que não vale a pena que nos preocupemos por muito que sejam parte importante para que se perceba o porquê da infelicidade de muita gente. Não são da sua isso é certo. Olha-a mais uma vez nos olhos, observa o seu sorriso e sente que as mil dúvidas quanto a existência humana que o atormentam são substituidas por uma calma que o faz sorrir.
And you know what? He kind of likes it.
Vai num passo apressado, aproveitando todas as possibilidades de cortar caminho, quase atropelando dois turistas, mas nada o faz abrandar o passo e reduzir a ansiedade. Quando já à porta do café, percebe que os turistas eram duas suecas (need I to say more?) às quais ele nem sequer deitou olhos de ver, revolta-se, assusta-se mesmo e pensa que o caso é bem mais grave do que o que ele tinha previamente suposto.
Epah mas que merda, dá para uma vez em que preciso mesmo de vir cá, para vocês não estarem fechados?', pensa ao dar com a porta do seu "Pois" fechada. Óbvio, são só 10h30. Frustado por ter que esperar meia hora, acaba por se senter à porta, pois não quer ter que pensar em mais nada, tomar qualquer tipo de decisões, são 10h30 porra, devia era tar a dormir, quero que se lixe, agora espero.
Sentado, antes de ficar absorto nos pensamentos, espécie de estado vegetativo (rídiculo) que por vezes o apanha desprevenido, observa com requintes de taradez, o peito de uma milf que passando do outro lado rua, que decerto adorou aquele elogiou silencioso, pois o sorriso que fez quando cruzamos olhares foi de quem agradece, talvez também adore o elogio dos trolhas, no fundo não passa de mais uma labrega, apesar dos pontos positivos que aquele relevo "pulmonar" marcam a seu favor' pensa.
Mas a triste verdade é que não sentiu claro prazer com aquela observação. Sentia que era forçada, que passava sem ela, tal como passava sem observar as "touristes" dá'pouco. Nisto um frio percorre-lhe a espinha, assusta-se com os sintomas que qualquer médico já não teria dúvidas quanto á patologia e nisto lembra-se do sketch do Gato Fedorento, até que lhe fazia agora jeito ter ali um Fernando para o relembrar que nunca tinha visto um caso "tããã grave" e me curasse daquele estado', que só não apelidava de paneleiro porque vá lá, era dele mesmo que se está a falar.
É que reparem, nem é porque está muito apaixonado ou algo do género. Quer dizer, inegável o fascínio e a vontade de estar perto dela. Simplesmente sente-se o maior trapalhão quando está junto de Inês, tem as mãos sempre suadas (o que o faz sentir um miúdo de 14 anos), acha-se chato a cada palavra que diz, tem que fazer um esforço gigante para não ficar com ar de estúpido o olhar para os seus olhos e lhe dar um beijo a cada sorriso.
Só mais tarde quando a começa a ver ao longe, no outro lado da estação do Metro da Campo Pequeno e a vê a vir na sua direcção que percebe que gosta de tudo isto, que gosta de estar assim, que sempre percebeu perfeitamente tudo, era o medo de ser rotulado como um daqueles tipos ridículos, melosos em excesso, controladores instantâneos e a todo e cada minuto das 24 horas que tem o dia através das mensagem do telemóvel. Bem, no fundo, tinha medo ser mais um daqueles cliché, que gozava. Mas já percebeu que não é ou pelo menos acha que não é, porque atenção, nunca confiar muito nas opiniões racionais de um tipo que se encontra no estado de Francisco.
É quando ela já está quase ali perto dele em, em que já sente o seu perfume e sabe que os seus lábios estão quase a tocar nos dela, que serenamente pensa que sim que isto é tudo "muita" paneleiro, mas que ele até não se importa, que não se vai acobardar como sempre, que por ele, dando pequenos passos todos os dias até que um dos dois se farte de andar, vai continuar assim, parvo, passível de ser rotulado "caso tããã grave". Nisto Inês chega, beijam-se e tirando um ménage à trois com duas ninfo's suecas, sabe que é ali que quer estar.
E é deste modo que, arruinando com uma tirada perfeitamente desnecessária um texto genuninamente sentimental (para não dizer coisas piores) que Francisco lhe agradece aquela semana.
Mas quem é que disse que de minha casa aos Restauradores são só 15m? Que atrasados, que bestas, estou nisto à horas e nunca mais chego lá. Já tou todo suado, lindo serviço. A aparente calma e ar envergonhado que apresenta por fora, contrasta com pânico e confusão típica de um cenário de combate que lhe assola a alma e o desnorteia. De facto a viagem leva mais que 15m, mas só porque Francisco já se enganou 4 vezes ao virar em ruas erradas, optou por 3 ruas sem saída e muitas vezes simplesmente ficou parado sem saber para onde ir, logo ele, que conhece Lisboa tão bem.
Sabe perfeitamente porque está assim, mas se alguém perguntar prefere mentir. Conhecido pelas paixões frívolas, de uma noite só, até ao extase e o consequente cigarro, pessoa racional, independente, tem um dominio sobre o sentimento de facto notável. Ora então como me foi isto acontecer? Sim era o "isto" que lhe tinha posto assim, deitando por terra as suas teorias racionais sobre as quais tinha gasto horas a fio, talvez dias mesmo. Em suma, está apaixonado.
Típico player, pessoa de raras paixões, odeia tanto quanto adora sentir-se assim, motivado. Porque a este nervosismo antecedeu-se algo fantástico na vida de um apático: sentiu vontade. Sentiu vontade de estar ao pé de, de conhecer, curiosidade em descobrir quem ela é de facto, a sua história até ao dia que a conheceu, os sonhos que a guiam num futuro a curto/longo prazo.
Porque segundo Francisco existe pouca gente interessante e que valha a pena para além de uma noite de sexo, muitas que nem isso valem. Como costuma dizer para quem quer ouvir, e até para que não quer, poucas foram as mulheres na minha vida em que tive mesmo gosto de estar à conversa com elas, em que a minha atenção pelos barbaridades e coisas de pouco interesse que diziam não fossem guiadas somente por um objectivo só. Bem sobre isso não preciso falar, porque a este ponto já perceberam qual. É uma arrogância e um narcisismo gigantes, que fazem parte da sua personalidade tal como a àgua faz parte do gelo. Indissociável portanto.
E foi assim que, após algum desespero, nunca confirmado a ninguém, que após ano e muito de não encontrar ninguém que de facto o motivasse mesmo, que o deixasse neste nervosismo absurdo mas sincero, encontrou Inês.
O facto de que paixões tão repentinas são típicas naquele tipo de gajos (e miudas também) rídiculos que conhecem hoje, amam amanhã e querer casar no fim-de-semana, irrita-o, porque como leu em algum lado, hoje em dia os namorados e os apaixonados são todos uns cobardes, incapazes do que seja, escondem-se atrás do controle que o telemóvel permite, não há magia, não há surpresa, só o que é certo que corra bem, não há, acima de tudo, risco. Pudera, com bestas como aquelas, o mais razoavel e equilibrado dos seres humanos que se ponha com grandes voos acaba sempre visto como um desequilibrado carente. Sim porque cada vez mais, a aparência nesta sociedade de aparências é tudo.
Mas Francisco aprendeu a não ligar a isso e a muito mais. Não tem vergonha de dizer "tu fascinas-me", porque sabe que isso tem um valor para si, não significa que já ame loucamente. Amar, isso talvez nem exista e se existe não é da noite para o dia que se sente.
E foi "isso" que Inês lhe fez. Fascinou-o. Mal a viu ia jurar que lhe tremeu os joelhos, que o .coração bateu tanto que sentiu que ia rebentar e que nunca disse piadas tão parvas a ninguém. E da história de Francisco e Inês é isto que se sabe ou isto que se soube. A ver vamos se será uma história com presente e futuro ou algo do passado. Foram estes os últimos pensamentos que lhe passearam pelas ideias, quando a viu ao longe e mais uma vez viu aquele sorriso que lhe parece é a cada dia mais lindo. Nisto, la estava ela a dois passos dele, com um brilho nos olhos que ia jurar que já tinha visto nalgum lado.
Sentado no sofá na solidão daquela velha casa, outrora lugar de vida, Jorge sentia-se abafado pelas paredes que pareciam imensas, infinitas e ao mesmo tempo como que a sufoca-lo. A dor consumia-o de tal modo que não sentia o corpo, era como se não fosse mais seu e se ainda de algum modo poderia ser considerado seu, certo era que o percorria uma inércia, como se se tivesse tornado uma pedra, que só a força paciente do tempo desgastaria até ao esquecimento. Perguntava-se como poderia suportam alguém aquela dor que persistia em si, que lhe cegava à voz e lhe amordaçava a alma.
Naquele momento não sentia mais nada. Talvez fosse da droga, enquanto olhava para a seringa que momentos antes tinha perfurado entre dois dos dedos do seu pé esquerdo, pé com que sempre tinha dado o primeiro passo na vida, último reduto ainda não marcado ou ferido no seu corpo que podia facilmente esconder. Na confusão conseguia ainda pensar que o contínuo aumento nas doses daquela sua morfina, eram cada vez mais de pouca consequência e efeito.
Felizmente, pensava, o seu telefone já não tocava, a campainha já não apitava. Desde aquele dia que todo à volta dele secava, nem as suas amizades mais fortes, nem a preocupação genuína de quem o amava resistiram à sua obstinada auto-destruição. Jorge preferia assim. No emprego sabia que o despedimento estava próximo, quanto muito por simpatia ou pena iam deixar que o contracto que estava quase a chegar ao fim terminasse. Porque ninguém o percebia, ninguém o entendia!!
Como tinha chegado àquele ponto? Toda a sua vida tinha sido fonte de alegria, ombro de muitas lágrimas, pessoa de uma energia e vontade de viver únicas. Por este facto nunca ninguém sabe como um dia deixou de ser tudo isto.
Aos primeiros sintomas a preocupação geral acreditou que se tratava de uma depressão ou simplesmente tinha ficado louco. Os seus pais, alegando direitos de educação e obrigação intemporais, internaram-no, e após escassos dias os médicos anunciavam milagre, diziam-no curado. Contudo este não foi mais que um derradeiro esforço por se comportar como os médicos, os seus pais e amigos, o mundo em geral, esperava que ele, um homem de 28 anos, solteiro com uma vida perfeita e de sucesso, se devia comportar. De facto não foi complicado porque mentir sempre tinha sido algo que sabia fazer como ninguém. O que ninguém reparou foi no como os seus olhos se tinham tornado uma janela para o nada, onde o vazio era dominado por um ódio silencioso. Nunca ninguém repara, a nossa preocupação tendencialmente de auto-satisfação só deixa perceber até onde o ego permite ver. Desse momento ao fundo do poço foi em queda livre que o tempo passou, sem que ninguém tenha reparado até que fosse muito tarde.
A droga começava a fazer efeito, mas uma estranha moleza que conseguía fechar os seus olhos esgazeados, rapidamente o dominou. Contudo de repente lembrou-se daquilo que o seu subconsciente já tinha como mestria recalcado, lembrou-se do inicio, do como, reviu tudo na sua mente e foi como se a dor o estivesse abrindo ao meio de novo, sentiu que não ia aguentar. De repente desmaiou e já sem que tenha visto o seu triste fim, a cabeça vermelha do afluxo sanguíneo, os olhos da mesma cor prontos a saltar da órbita e uma espuma que lhe cobria a boca e o peito...
De repente acorda, o despertador, como sempre, não perdoa.
Sentia-se como sempre noutra realidade, num misto de um torpor físico e da confusão da ressaca, abrindo os olhos até onde o clarear o permitia. Do sofá via a seringa na mesa e pensou se seria hoje que a seringa lhe tiraria finalmente toda a sua angústia e toda a sua dor.
Todos nós temos amigos. Se é dos que de modo pouco saudável acreditam no conceito “dos melhores amigos” em quem confiamos cegamente, seja dos que mais sensatamente vivem as amizades sem necessidades de excesso, todos temos os nossos manos e sisters.
Todos nós, mesmos os sensatos, temos preferências nas amizades, seja porque questões de identificação, seja por questões de preferência pessoal, o facto é que existem hierarquias de amizades.
Manuel, Manel como os amigos lhe chamam, Nelinho como a mãe o decide continuar a humilhar em frente aos amigos, depara-se com um drama relacionado com amizades. Só a palavra drama dá-lhe vómitos, e por favor amigos nunca deviam provocar mais que uma leve irritação cutânea, seguida de um arroto e do planeamento do que fazer logo à noite. Porque tão simples quanto isto, amigos não devem ser fontes de problemas por questões de críticas que nos façam directa ou indirectamente, se não estiverem dispostos a assumir que estão errados, que deviam por vezes ter pensado melhor. O conceito de amigo, pelo menos o conceito mais saudável, implica sinceridade, uma certa admiração, não estar sempre a criticar. Isto pelo menos para ser saudável.
Ora isto era o que Manel pensava. Enquanto puto de 21 anos, Manel para além de estar a pensar nisto estava a pensar no quanto tava a ser estúpido de tar a pensar nisto, já começando a ficar zangado consigo mesmo, porque claramente a miúda de logo à noite, pede que ele faça um delinear de um plano, de uma estratégia para que seja um score garantido (tem que ser, se gostas de mim Deus, se sequer existas, não me fodas), tem toda uma wining streak a manter.
Contudo nem as excelentes vistas do bar da praia das Avencas o estavam a demover dos seus problemas. Resignado, Manel indagou, sabendo à priori que isso era um pouco gay no sentido que eram lamechice sem sentido (existe alguma com verdadeiro sentido?) que o afectavam. BAH!!
Manel começou por considerar que de facto era uma pessoa normal. Até aqui tudo bem, cometia erros, cometiam erros c ele, é assim com toda a gente, ponto. Claro que é da opinião que as pessoas são muito egocêntricas em sociedade, por isso estão sempre a criticar os outros como se o resto do mundo não fosse mais que planetas à volta de um sol. Pior era mesmo que não vissem que estão a ser muito egocêntricas, potencialmente injustas, e mesmo quando sentem dúvida basta alguém que concorde com elas, não interessa se quem concorda não sabe bem o tema, está so a ouvir um lado, é igualmente irracional ou não, para voltarem a ter a certeza absoluta. Daí que, por exemplo, em democracia até se fale das ditaduras da maioria. Isso revela-se num exemplo muito simples: temos uma mesa à nossa frente, de cor preta, não há que enganar, preta como o breu, mais preto não há. E nós calmamente perante esse facto concluímos: é preta. Contudo somos muitas vezes confrontados com a opinião da maioria que diz que não, que é amarela às pintinhas roxas. E como são a maioria, não só detêm a razão, como ficam com certezas absolutas. È frustrante mas é assim que a sociedade funciona.
Não é que Manel se ache o centro da razão, não é isso! Mas tenta sempre ser racional e sensato, algo que nem sempre é fácil se deixarmos que se intrometa sentimento há questão, mas que também ser sensato não é impossível, começa-se por se perceber que não se é o centro do mundo, e por analisar calmamento os problemas e já se está bem encaminhado se é equilíbrio de análise que se procura.
Nisto Manel quase se distraiu com uma mulata linda de morrer, mas nem isso o afastou deste pensamento. Continuando, enquanto enrolava uma, já sentado no areal, perguntava-se porque raio gostava tanto daquela amiga. A sua amizade tinha sido algo sempre reconhecido pelos seus amigos, caracterizado com muitas discussões.
Contudo no útlimo ano Manel decidiu analisar o percurso dessa amizade, que ele considerava importante como poucas, arrogante de que tinha sido sensato ao ter construído aquela amizade, talvez mesmo importante para ele como nenhuma. Nessa análise, para perceber a evolução e tentar chegar uma conclusão, decidiu fazer uma lista, por muito que fosse considerado um só lado da história. Que é outra coisa gira da sociedade: existem dois lados da história, estranhamente ninguém procura ver qual é o mais sensato, como se isso fosse ser faccioso. É de certo o medo da escolha. As pessoas são também grosso modo cobardes. Ou então don’t really give a shit. O que se for esta última a razão, percebo. As outras toleram-se.
Voltando à lista, Manel pegou numa folha um pouco amassada que tinha na mochila, que não era mais que a folha de rascunho do exame que tinha feito naquele dia, tirou a caneta que cravou antes do exame, e olhando o sol que se punha, numa imagem digna de um momento kodak, procurou forças dentro dele para se concentrar (Manel distraí-se com tudo, é provavelmente o ser humano que mais facilmente se perde), como forças para remexer nisto. Ora bem, parando aqui para uma análise importante ao pensamento “força para remexer nisto”. Fez o que era obrigatório fazer numa situação desta gravidade: riu-se da lamechice e pensou “que paneleiro!”. Num último esforço pega na caneta e começa:
“- Como é sabido sempre a tratei melhor que ninguém, algo que te confundiu no início da amizade, e que ainda hoje é confundido por quem está a volta VS Se tratas-te ou deixas-te de tratar foi porque quiseste, não te ponhas com merdas agora.
- Discussões – Ao avaliar as causas das discussões concluí que não só me contive algumas vezes, como quanto mais o fazia maior e mais frequente era a agressividade, porventura por ter sido mal habituada, para mais mesmo quando entrava em discussão ainda ficava mais zangada VS Aqui fui estúpido claramente! - porventura cerne da questão esta tua permissividade.
- Descoberta recente, de que ela criticava tudo e todos comigo, achando eu que era desabafo, mas afinal também fazia o oposto, falando normalmente de mim aos outros, pessoas várias, minhas amigas, com interpretações absurdas, que numa fase de maior demência, enquadravam o “quanto eu preciso de acompanhamento psicológico” ou então o all time best “que ela era o centro da minha vida”. Pior este comportamento analítico, fazia entre toda a gente com toda a gente. Muito pior que isso eu sabia disto em parte mas nunca relevei, nunca fiz uma conexão VS pah fico sem palavras perante a tua estupidez…
- O seu comportamento progressivamente egocêntrico e levemente desequilibrado foi piorando, tendo ela perdido contacto com a realidade há muito, sendo algo que muitos tinham reparado, só tu é que não viste e foste permitindo certas coisas VS a cegueira não é uma desculpa - nota mental: espancar-me quando chegar a casa, só não agora, porque em público pode ser humilhante.
- Apesar disto tudo, mesmo quando tu, numa senda de “ursisse” agressiva, até aceitas ser também culpa tua por teres permitido e errado ao responder aos modos e às críticas, ela acha que está cheia de razão. Felizmente neste caso só o mundo dela pode achar q está certo - Amigos preocupados com egocentrismo excessivo e ligeiro desequilíbrio.
Resultado: Pah se lhe voltas dirigir a palavra, a nutrir um pingo de respeito, és o maior atrasado de sempre.”
Contente com o seu progresso Manel lê pausadamente a folha mais uma vez e pensa no ridículo do assunto. Não nega que se sente magoado como provavelmente nunca ninguém o magoou, ficando apreensivo por um minuto, depois sorrindo ao perceber que toda a situação tinha sido uma experiência muito importante, um daqueles ensinamentos de vida que pouco vale te dizerem que é errado, tem que se ir lá marrar com os cornos na parede.
Sentia que tinha perdido uma amiga naquele momento. Surpreendentemente não lhe estava a custar assim tanto. Mas sente que se tornou melhor pessoa com esta lição. Ao perceber que já eram sete e tinha combinado em Lisboa as 20h30 “Merda!”, levantou-se de um pulo, esquecendo-se da folha na areia, começou a correr em direcção à estação, em direcção ao seu futuro.
A folha ficou para trás, tal como esta sua amiga nunca mais foi fonte de nada. Tornou-se indiferente. Anos passaram, amigos mudaram, outros ficaram. Certo dia, uns bons vinte anos depois, sentado no mesmo local onde a esqueceu, pergunta-se como ela estará, com uma certa curiosidade misturada com uma saudade ligeira, se terá conseguido mesmo assim ser feliz. Sorriu.
Este texto dedico-te aCdr. Best of lucks.
"See you in another life brother"