Learning to Smile

Pretensioso. Pretensioso, arrogante, cínico. Puxa do cigarro sobre o céu nublado e sabe que é isto tudo enquanto desce a rua e pensa onde falhou. Nalgum sítio tem que ter falhado. O café fechado frustra-o, apesar de ser só mais uma gota de água num copo quase cheio. Não sabe bem o que fazer, foi em modo vegetativo que aqui chegou, nada ainda flui correctamente a esta hora, não tanto pela hora em si, mas pela curta distância dessa hora até ao momento que a porta do café lhe negou a única vontade que o movia. Decidido em fazer daquele momento digno de uma catarse, de uma birra épica, ri-se contudo da sua própria estupidez e começa a andar sem destino, quando vê uma daquelas mulheres que nos fazem perder o raciocínio, apesar de não reagir ao sorrisinho que ela lhe fez. Com aquelas pernas, aqueles olhos azuis e aquele sorriso maravilhoso decide fazer uma nota mental para se penitenciar mais logo, por a ter ignorado.

Acende o cigarro, prémio de consolação de pouca duração, e sorri, sorri de forma triste, sorriso com que engana todos os dias todos os que o rodeiam. Caminha e pensa no quanto não ter acordado hoje tinha sido uma opção bastante viável. Tem dias assim, dias onde por favor não me digam mais uma piada estúpida, onde não me mandem o quanto vocês são fantásticos mas não passam de inseguros, quais animais darwinistas fighting for survival. Não percebe essa necessidade mas sabe que entra no jogo, jogo que joga bastante bem diz quem sabe, mas sabe também que está cansado. Está cansado dos outros, está cansado dele e não sabe como chegou a aquele ponto. Fantástico como é tem que ser amado por toda a gente (mesmo que não ame realmente ninguém) e não suporta cair do pedastal para a latrina (por muito que nunca mais lhe ver a cara não fosse nada que lhe fizesse diferença).

Encontra uma explanada aberta e senta-se frustrado por não poder partilhar estes sentimentos e frustrações com ninguém, porque todos os seus amigos, como a sociedade em geral, são todos psicólogos de café de bairro, prontos a fazer uma análise, prontos a ter um julgamento preparado. Mesmo que seja bom, despreza esse comportamento, despreza a arrogância dos outros, despreza a sua arrogância se bem que de todas considera a mais aturável porque sabe como dentro de todo o seu ego, se sente humilde, se sente boa pessoa. Não entende bem como certas pessoas o julgam e lida mal com o julgamento de aqueles que o "conhecem bem", apesar de julgar todos, tendencialmente por baixo. Não entende como se pode ser amado e de amado a desprezado, pior, não sabe como isto tudo lhe preocupa. E pensa que se alguém estivesse a ler os seu pensamentos neste preciso momento estaria já a dizer o quanto está a ser egocêntrico, o quanto é normal que se sinta assim porque todos precisamos uns dos outros, blá, blá, blá.. Sabe que sente enorme desprezo por essa pretensão, essa necessidade de avaliar. Por isso prefere se sentar sozinho, beber um café só e a caminho de casa fumar o seu cigarro, que não chateia e não se põe com mania que é o dr.phill. É que já nem quer ter razão, razão que sempre achou que fosse o cerne da questão. Não lhe vale de nada a razão e se não lhe vale de nada a razão, pensa se alguma coisa valerá mesmo a pena.

O céu de repente tapa-se, tempo de merda, inaceitável para este mês, revê o quanto é infeliz e sorri, sorri porque sabe que aguenta na boa, sempre aguentou mas francamente já teve mais paciência. Aprendeu a sorrir melhor contudo e a esconder melhor que está farto. Definitivamente farto. Ri-se da pequenez dos seus problemas, da pretensiosidade que sente, da arrogância que lhe rotulam, do cinismo que sente nos olhos dos outros quando neles vê a sua alma, mas isso não o faz menos triste, menos farto, menos certo de que o tempo não vai abrir tão depressa.
Diria o mundo que ele está deprimido, que é uma pessoa negativa, mas jura que se lhe rotulassem mais uma vez… Bem se lhe rotulassem mais uma vez nada na verdade. E sabe que metade dos dedos que lhe são apontados poderia dizer likewise. Sorri, quase com prazer, quase com satisfação. Quase com alguma coisa.

E é na certeza do quanto é fantástico, do quanto tem uma vida muito boa, de que tem quase tudo o quer, que só queria que ou percebessem que o problema nunca está no problema em si, mas no modo como tentam perceber o que sente. Isso é que o fode. Totalmente.

Começa a chover e ele não sabe se realmente se quer cobrir debaixo do toldo do café ou se prefere esperar, esperar por ver se aquela chuva lhe lava a alma e leva com ela os seus lamentos. Sabe bem que não, mas mesmo assim tenta. E quando menos espera sente uma força que não controla, que sem que ele possa fazer nada para evitar, lhe move os músculos da cara. Se não soubesse que era incapaz de o fazer, diria que estava a sorrir.

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