Ensaio sobre os Moinhos

Há dias em que não se consegue dormir. Pode ser porque andamos cheios de trabalho, porque temos problemas em casa, porque o cão tá doente ou porque não passaram aquela série que eu queria ver para darem um especial sobre gajos conhecidos a dançar com bailarinos profissionais, ou a cantar ou o que seja. Bem isso não interessa nada. O que interessa é que há dias em que simplesmente não conseguimos dormir. E sabemos que temos que ir dormir, que estamos a perder tempo acordados e que amanhã ninguém nos arranca da cama, porque de facto não estamos a fazer nada de útil, somos como que miúdos de dez anos que se perdem na multidão mas porque temos o pudor de já não termos idade para entrar em pânico e procurarmos a chucha, não choramos, ficamos só imóveis, estupidificados, num pânico que parece não ter fim, que se arrasta lentamente, a tentar perceber o que fazer e o que se anda aqui a fazer.

Porque se algo que João não está é infeliz. E com esta arruma logo os teólogos da resposta fácil. Mas também não está feliz. Está, sabe lá, confuso. É da idade avançam logo outros estudiosos do café da esquina, como se houvesse uma idade para ter dúvidas e a partir de um determinado ponto na vida só podemos ter certezas.

Gosta da vida que leva sem dúvida, mas já há muito que esta perdeu a magia da primeira vez e da novidade, as ganzas começam a bate-lhe mal e primeiro que se embebede em dia de festa existe cada vez mais a probabilidade de lhe dar um sono e um cansaço daqueles que só apetece estar em casa a fazer qualquer merda que não envolva muito esforço. Mas também este desperdício do tempo que algo, alguém ou o acaso nos concedeu para utilizarmos, mas não teve a decência ou as boas maneiras de dizer qual ponto exacto do seu fim, ou pelo menos fazer uma alusão qualquer, só avisa que se nada acontecer antes, lá para os 80 vais desta para melhor, bates as botas, bem escolhe a expressão que te serve mas acho que percebeste a ideia, também lhe parece pior.

O que João não entende ou se calhar entende bem demais é que não se sente motivado. Mas também não faz nada para se motivar. Porque gosta do que tem, mais do que nunca, mas ao mesmo tempo é como que uma doença, aos poucos, vai-lhe tirando a vontade, empurrando-o para o vazio, para o conforto do esquecimento, para o desperdício do nada.

Mas também o que é desperdício e o que não é? E existem uns que merecem mais e outros que merecem menos ou simplesmente somos atirados para a arena e é cada um por si? Pelo menos é assim que nos comportamos, mesmo aqueles que parecem mais puros e bem intencionados. Mas todos nós sem excepção, utilizando métodos mais agressivos ou mais subtis, caminhos para que o nosso moinho vá tendo a agua que nós queremos.

E se calhar é isso que nós somos, pessoas mais ou menos desesperadas (consoante cada um de nós), a tentar controlar o rio para ver se o moinho roda á velocidade que nós queremos e moa aquilo que queremos moer, quando queremos moer, como queremos moer.

E já não basta isto ser complicado e ter consumido a vida dos melhores, sem que estes tenham encontrado sequer príncipio de resposta e parece que já vejo, ao longe, aos berros e com as veias do pescoço quase a saltarem da excitação cega que trazem vestida, quem venha dizer que isto é tudo subjectivo porque também existem moinhos a vento, portanto isto cada um tem o moinho que quer, ou que lhes foi concedido, e que cada moinho funciona a seu modo e que pronto fazem com que esta tentativa de perceber alguma coisa passe a mais uma tentativa que só dá razão aos que dizem que isto não se explica.

Se não se explica, cheira-me que fui enganado. Porque não era isto que a brochura prometia.

Bem, que se lixe o moinho (mete as balas), as teorias (tira a segurança) e os finais poéticos (mete o cano na boca), vou é ser feliz.

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