O dia foi, como todos os dias, o mais longo da sua vida. Sente que acordou num pesadelo, continuação de dias anteriores, mundo quase paralelo e quase surreal que sentia já ser de sempre. Já não se lembra como passou mais aquele dia. Não se lembra mesmo como ou porquê se levantou naquela manhã, foi para o trabalho, muito menos quais foram as piadas estúpidas do chefe. Hoje para si os olhares da sua secretária foram um nada, como nada foi o seu dia. Não ter morrido num acidente quando conduziu para o emprego, terá sido um dos muitos mistérios que permaneceram para sempre na memória das coisas que ninguém lembra.
Sentado no sofá na solidão daquela velha casa, outrora lugar de vida, Jorge sentia-se abafado pelas paredes que pareciam imensas, infinitas e ao mesmo tempo como que a sufoca-lo. A dor consumia-o de tal modo que não sentia o corpo, era como se não fosse mais seu e se ainda de algum modo poderia ser considerado seu, certo era que o percorria uma inércia, como se se tivesse tornado uma pedra, que só a força paciente do tempo desgastaria até ao esquecimento. Perguntava-se como poderia suportam alguém aquela dor que persistia em si, que lhe cegava à voz e lhe amordaçava a alma.
Naquele momento não sentia mais nada. Talvez fosse da droga, enquanto olhava para a seringa que momentos antes tinha perfurado entre dois dos dedos do seu pé esquerdo, pé com que sempre tinha dado o primeiro passo na vida, último reduto ainda não marcado ou ferido no seu corpo que podia facilmente esconder. Na confusão conseguia ainda pensar que o contínuo aumento nas doses daquela sua morfina, eram cada vez mais de pouca consequência e efeito.
Felizmente, pensava, o seu telefone já não tocava, a campainha já não apitava. Desde aquele dia que todo à volta dele secava, nem as suas amizades mais fortes, nem a preocupação genuína de quem o amava resistiram à sua obstinada auto-destruição. Jorge preferia assim. No emprego sabia que o despedimento estava próximo, quanto muito por simpatia ou pena iam deixar que o contracto que estava quase a chegar ao fim terminasse. Porque ninguém o percebia, ninguém o entendia!!
Como tinha chegado àquele ponto? Toda a sua vida tinha sido fonte de alegria, ombro de muitas lágrimas, pessoa de uma energia e vontade de viver únicas. Por este facto nunca ninguém sabe como um dia deixou de ser tudo isto.
Aos primeiros sintomas a preocupação geral acreditou que se tratava de uma depressão ou simplesmente tinha ficado louco. Os seus pais, alegando direitos de educação e obrigação intemporais, internaram-no, e após escassos dias os médicos anunciavam milagre, diziam-no curado. Contudo este não foi mais que um derradeiro esforço por se comportar como os médicos, os seus pais e amigos, o mundo em geral, esperava que ele, um homem de 28 anos, solteiro com uma vida perfeita e de sucesso, se devia comportar. De facto não foi complicado porque mentir sempre tinha sido algo que sabia fazer como ninguém. O que ninguém reparou foi no como os seus olhos se tinham tornado uma janela para o nada, onde o vazio era dominado por um ódio silencioso. Nunca ninguém repara, a nossa preocupação tendencialmente de auto-satisfação só deixa perceber até onde o ego permite ver. Desse momento ao fundo do poço foi em queda livre que o tempo passou, sem que ninguém tenha reparado até que fosse muito tarde.
A droga começava a fazer efeito, mas uma estranha moleza que conseguía fechar os seus olhos esgazeados, rapidamente o dominou. Contudo de repente lembrou-se daquilo que o seu subconsciente já tinha como mestria recalcado, lembrou-se do inicio, do como, reviu tudo na sua mente e foi como se a dor o estivesse abrindo ao meio de novo, sentiu que não ia aguentar. De repente desmaiou e já sem que tenha visto o seu triste fim, a cabeça vermelha do afluxo sanguíneo, os olhos da mesma cor prontos a saltar da órbita e uma espuma que lhe cobria a boca e o peito...
De repente acorda, o despertador, como sempre, não perdoa.
Sentia-se como sempre noutra realidade, num misto de um torpor físico e da confusão da ressaca, abrindo os olhos até onde o clarear o permitia. Do sofá via a seringa na mesa e pensou se seria hoje que a seringa lhe tiraria finalmente toda a sua angústia e toda a sua dor.
Sentado no sofá na solidão daquela velha casa, outrora lugar de vida, Jorge sentia-se abafado pelas paredes que pareciam imensas, infinitas e ao mesmo tempo como que a sufoca-lo. A dor consumia-o de tal modo que não sentia o corpo, era como se não fosse mais seu e se ainda de algum modo poderia ser considerado seu, certo era que o percorria uma inércia, como se se tivesse tornado uma pedra, que só a força paciente do tempo desgastaria até ao esquecimento. Perguntava-se como poderia suportam alguém aquela dor que persistia em si, que lhe cegava à voz e lhe amordaçava a alma.
Naquele momento não sentia mais nada. Talvez fosse da droga, enquanto olhava para a seringa que momentos antes tinha perfurado entre dois dos dedos do seu pé esquerdo, pé com que sempre tinha dado o primeiro passo na vida, último reduto ainda não marcado ou ferido no seu corpo que podia facilmente esconder. Na confusão conseguia ainda pensar que o contínuo aumento nas doses daquela sua morfina, eram cada vez mais de pouca consequência e efeito.
Felizmente, pensava, o seu telefone já não tocava, a campainha já não apitava. Desde aquele dia que todo à volta dele secava, nem as suas amizades mais fortes, nem a preocupação genuína de quem o amava resistiram à sua obstinada auto-destruição. Jorge preferia assim. No emprego sabia que o despedimento estava próximo, quanto muito por simpatia ou pena iam deixar que o contracto que estava quase a chegar ao fim terminasse. Porque ninguém o percebia, ninguém o entendia!!
Como tinha chegado àquele ponto? Toda a sua vida tinha sido fonte de alegria, ombro de muitas lágrimas, pessoa de uma energia e vontade de viver únicas. Por este facto nunca ninguém sabe como um dia deixou de ser tudo isto.
Aos primeiros sintomas a preocupação geral acreditou que se tratava de uma depressão ou simplesmente tinha ficado louco. Os seus pais, alegando direitos de educação e obrigação intemporais, internaram-no, e após escassos dias os médicos anunciavam milagre, diziam-no curado. Contudo este não foi mais que um derradeiro esforço por se comportar como os médicos, os seus pais e amigos, o mundo em geral, esperava que ele, um homem de 28 anos, solteiro com uma vida perfeita e de sucesso, se devia comportar. De facto não foi complicado porque mentir sempre tinha sido algo que sabia fazer como ninguém. O que ninguém reparou foi no como os seus olhos se tinham tornado uma janela para o nada, onde o vazio era dominado por um ódio silencioso. Nunca ninguém repara, a nossa preocupação tendencialmente de auto-satisfação só deixa perceber até onde o ego permite ver. Desse momento ao fundo do poço foi em queda livre que o tempo passou, sem que ninguém tenha reparado até que fosse muito tarde.
A droga começava a fazer efeito, mas uma estranha moleza que conseguía fechar os seus olhos esgazeados, rapidamente o dominou. Contudo de repente lembrou-se daquilo que o seu subconsciente já tinha como mestria recalcado, lembrou-se do inicio, do como, reviu tudo na sua mente e foi como se a dor o estivesse abrindo ao meio de novo, sentiu que não ia aguentar. De repente desmaiou e já sem que tenha visto o seu triste fim, a cabeça vermelha do afluxo sanguíneo, os olhos da mesma cor prontos a saltar da órbita e uma espuma que lhe cobria a boca e o peito...
De repente acorda, o despertador, como sempre, não perdoa.
Sentia-se como sempre noutra realidade, num misto de um torpor físico e da confusão da ressaca, abrindo os olhos até onde o clarear o permitia. Do sofá via a seringa na mesa e pensou se seria hoje que a seringa lhe tiraria finalmente toda a sua angústia e toda a sua dor.
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