Todos nós temos amigos. Se é dos que de modo pouco saudável acreditam no conceito “dos melhores amigos” em quem confiamos cegamente, seja dos que mais sensatamente vivem as amizades sem necessidades de excesso, todos temos os nossos manos e sisters.
Todos nós, mesmos os sensatos, temos preferências nas amizades, seja porque questões de identificação, seja por questões de preferência pessoal, o facto é que existem hierarquias de amizades.
Manuel, Manel como os amigos lhe chamam, Nelinho como a mãe o decide continuar a humilhar em frente aos amigos, depara-se com um drama relacionado com amizades. Só a palavra drama dá-lhe vómitos, e por favor amigos nunca deviam provocar mais que uma leve irritação cutânea, seguida de um arroto e do planeamento do que fazer logo à noite. Porque tão simples quanto isto, amigos não devem ser fontes de problemas por questões de críticas que nos façam directa ou indirectamente, se não estiverem dispostos a assumir que estão errados, que deviam por vezes ter pensado melhor. O conceito de amigo, pelo menos o conceito mais saudável, implica sinceridade, uma certa admiração, não estar sempre a criticar. Isto pelo menos para ser saudável.
Ora isto era o que Manel pensava. Enquanto puto de 21 anos, Manel para além de estar a pensar nisto estava a pensar no quanto tava a ser estúpido de tar a pensar nisto, já começando a ficar zangado consigo mesmo, porque claramente a miúda de logo à noite, pede que ele faça um delinear de um plano, de uma estratégia para que seja um score garantido (tem que ser, se gostas de mim Deus, se sequer existas, não me fodas), tem toda uma wining streak a manter.
Contudo nem as excelentes vistas do bar da praia das Avencas o estavam a demover dos seus problemas. Resignado, Manel indagou, sabendo à priori que isso era um pouco gay no sentido que eram lamechice sem sentido (existe alguma com verdadeiro sentido?) que o afectavam. BAH!!
Manel começou por considerar que de facto era uma pessoa normal. Até aqui tudo bem, cometia erros, cometiam erros c ele, é assim com toda a gente, ponto. Claro que é da opinião que as pessoas são muito egocêntricas em sociedade, por isso estão sempre a criticar os outros como se o resto do mundo não fosse mais que planetas à volta de um sol. Pior era mesmo que não vissem que estão a ser muito egocêntricas, potencialmente injustas, e mesmo quando sentem dúvida basta alguém que concorde com elas, não interessa se quem concorda não sabe bem o tema, está so a ouvir um lado, é igualmente irracional ou não, para voltarem a ter a certeza absoluta. Daí que, por exemplo, em democracia até se fale das ditaduras da maioria. Isso revela-se num exemplo muito simples: temos uma mesa à nossa frente, de cor preta, não há que enganar, preta como o breu, mais preto não há. E nós calmamente perante esse facto concluímos: é preta. Contudo somos muitas vezes confrontados com a opinião da maioria que diz que não, que é amarela às pintinhas roxas. E como são a maioria, não só detêm a razão, como ficam com certezas absolutas. È frustrante mas é assim que a sociedade funciona.
Não é que Manel se ache o centro da razão, não é isso! Mas tenta sempre ser racional e sensato, algo que nem sempre é fácil se deixarmos que se intrometa sentimento há questão, mas que também ser sensato não é impossível, começa-se por se perceber que não se é o centro do mundo, e por analisar calmamento os problemas e já se está bem encaminhado se é equilíbrio de análise que se procura.
Nisto Manel quase se distraiu com uma mulata linda de morrer, mas nem isso o afastou deste pensamento. Continuando, enquanto enrolava uma, já sentado no areal, perguntava-se porque raio gostava tanto daquela amiga. A sua amizade tinha sido algo sempre reconhecido pelos seus amigos, caracterizado com muitas discussões.
Contudo no útlimo ano Manel decidiu analisar o percurso dessa amizade, que ele considerava importante como poucas, arrogante de que tinha sido sensato ao ter construído aquela amizade, talvez mesmo importante para ele como nenhuma. Nessa análise, para perceber a evolução e tentar chegar uma conclusão, decidiu fazer uma lista, por muito que fosse considerado um só lado da história. Que é outra coisa gira da sociedade: existem dois lados da história, estranhamente ninguém procura ver qual é o mais sensato, como se isso fosse ser faccioso. É de certo o medo da escolha. As pessoas são também grosso modo cobardes. Ou então don’t really give a shit. O que se for esta última a razão, percebo. As outras toleram-se.
Voltando à lista, Manel pegou numa folha um pouco amassada que tinha na mochila, que não era mais que a folha de rascunho do exame que tinha feito naquele dia, tirou a caneta que cravou antes do exame, e olhando o sol que se punha, numa imagem digna de um momento kodak, procurou forças dentro dele para se concentrar (Manel distraí-se com tudo, é provavelmente o ser humano que mais facilmente se perde), como forças para remexer nisto. Ora bem, parando aqui para uma análise importante ao pensamento “força para remexer nisto”. Fez o que era obrigatório fazer numa situação desta gravidade: riu-se da lamechice e pensou “que paneleiro!”. Num último esforço pega na caneta e começa:
“- Como é sabido sempre a tratei melhor que ninguém, algo que te confundiu no início da amizade, e que ainda hoje é confundido por quem está a volta VS Se tratas-te ou deixas-te de tratar foi porque quiseste, não te ponhas com merdas agora.
- Discussões – Ao avaliar as causas das discussões concluí que não só me contive algumas vezes, como quanto mais o fazia maior e mais frequente era a agressividade, porventura por ter sido mal habituada, para mais mesmo quando entrava em discussão ainda ficava mais zangada VS Aqui fui estúpido claramente! - porventura cerne da questão esta tua permissividade.
- Descoberta recente, de que ela criticava tudo e todos comigo, achando eu que era desabafo, mas afinal também fazia o oposto, falando normalmente de mim aos outros, pessoas várias, minhas amigas, com interpretações absurdas, que numa fase de maior demência, enquadravam o “quanto eu preciso de acompanhamento psicológico” ou então o all time best “que ela era o centro da minha vida”. Pior este comportamento analítico, fazia entre toda a gente com toda a gente. Muito pior que isso eu sabia disto em parte mas nunca relevei, nunca fiz uma conexão VS pah fico sem palavras perante a tua estupidez…
- O seu comportamento progressivamente egocêntrico e levemente desequilibrado foi piorando, tendo ela perdido contacto com a realidade há muito, sendo algo que muitos tinham reparado, só tu é que não viste e foste permitindo certas coisas VS a cegueira não é uma desculpa - nota mental: espancar-me quando chegar a casa, só não agora, porque em público pode ser humilhante.
- Apesar disto tudo, mesmo quando tu, numa senda de “ursisse” agressiva, até aceitas ser também culpa tua por teres permitido e errado ao responder aos modos e às críticas, ela acha que está cheia de razão. Felizmente neste caso só o mundo dela pode achar q está certo - Amigos preocupados com egocentrismo excessivo e ligeiro desequilíbrio.
Resultado: Pah se lhe voltas dirigir a palavra, a nutrir um pingo de respeito, és o maior atrasado de sempre.”
Contente com o seu progresso Manel lê pausadamente a folha mais uma vez e pensa no ridículo do assunto. Não nega que se sente magoado como provavelmente nunca ninguém o magoou, ficando apreensivo por um minuto, depois sorrindo ao perceber que toda a situação tinha sido uma experiência muito importante, um daqueles ensinamentos de vida que pouco vale te dizerem que é errado, tem que se ir lá marrar com os cornos na parede.
Sentia que tinha perdido uma amiga naquele momento. Surpreendentemente não lhe estava a custar assim tanto. Mas sente que se tornou melhor pessoa com esta lição. Ao perceber que já eram sete e tinha combinado em Lisboa as 20h30 “Merda!”, levantou-se de um pulo, esquecendo-se da folha na areia, começou a correr em direcção à estação, em direcção ao seu futuro.
A folha ficou para trás, tal como esta sua amiga nunca mais foi fonte de nada. Tornou-se indiferente. Anos passaram, amigos mudaram, outros ficaram. Certo dia, uns bons vinte anos depois, sentado no mesmo local onde a esqueceu, pergunta-se como ela estará, com uma certa curiosidade misturada com uma saudade ligeira, se terá conseguido mesmo assim ser feliz. Sorriu.
Este texto dedico-te aCdr. Best of lucks.
"See you in another life brother"
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