Sem que o mundo tenha algum dia chegado a perceber, naquele momento a história da humanidade esteve muito perto de ser alterada para sempre. Contudo, esse momento único, prometia ser só mais uma noite de Sexta na vida de João, daquelas em que o quadro se pinta de solidão, tirando a companhia do maço de cigarros que lhe dura pouco mais que cada um dos seus relacionamentos e da já customeira garrafa de Whisky barato que se torna com o tempo o seu compromisso mais seguro. Era somente mais um daqueles seus momentos, espaços temporais dos quais ele raramente se lembrava na manhã seguinte, onde os seus habituais pensamentos eram absorvidos com medo pelas paredes que o rodeavam. Era só mais um longo serão, em que os dramas existenciais, liderados por um egocentrismo que quase não se dá por ele, mas que o absorve por completo e que nunca ninguém o soube definir do modo correcto, o corroía, daquele seu jeito de infelicidade catatónica, sem grande stress, com os brados de injustiça moderados de um ser supostamente racional e adepto do primado da sensatez filosófica sobre o sentimento e o sentimental, perante uma arrogância filha da ignorância que o rodeava, das pobres almas que via na televisão aos seus pais.
O João, ou Jonhy, como os cromos dos seus amigos, típicos promotores de todas as futilidades e manias que se podem imaginar, o chamam, é aquele homem, rapaz, puto, que se sentia mais um “deslocado”, sentimento que sempre o assolou, para ele sentimento demasiado paneleiro, pois nunca gostou do lado demasiado “Goodbye Stranger” desse facto. A sua vida foi uma sucessão de momentos moderados, onde ele progressivamente se foi apercebendo da sua infelicidade e do modo resignado com que lidava com ela, com um ou dois copos de Whisky só para a tragar melhor. E no fundo, esta resignação consciente, era onde ele comprovava o quanto era inteligente, o quanto era emocionalmente desenvolvido. No fundo o quanto ele era perfeito, por muito que uma sociedade fútil não o visse. What the hell, not his problem.
Enquanto pessoa moderna que se achava, apesar de se considerar igualmente um baluarte da moral e de valores de respeito ao próximo, sempre sentiu que era um exemplo nos relacionamentos mesmo naqueles (maioria) que duravam quanto muito até ao momento em que após um último esforço, se virava e encostava na cama à procura do maço e do isqueiro.
Pouco mais havia a dizer de João. Era um egocêntrico, narcisista, convencido, com um claro complexo de superioridade, se bem que na sua óptica um incompreendido, que ligou a televisão naquela noite de ressaca, após um 28º aniversário festejado como manda o protocolo. O seu objectivo era somente, como sempre, sem que se apercebesse, passar uma noite onde se elogiaria profundamente através dos erros dos outros, enquanto esperava que o café do senhor Zé abrisse para ele ir tomar a bica que o faria aguentar mais um Sábado, que sim, até aos Sábados o obrigavam a trabalhar, pensava com revolta.
Não se consegue agora precisar qual foi o momento exacto que percebeu, ou o que o levou àquela conclusão que o Homem tinha ansiado desde a primeira vez que uma das sua evoluções dos primatas pensou, a epifania que todo o pensador desejou. De repente, tudo fez sentido. Não era que fosse pior que ninguém, só que a higiene moral onde pensava que habitava, era a mesma latrina que todos frequentavam! Amava-se tanto que nunca conseguiu amar verdadeiramente ninguém, era mais um cabrão, mais um infeliz, mais um peão dessa realidade que de real só as nossas projecções conjuntas, que nunca fez nada para melhorar o que criticava, que nunca fez nada de melhor que aqueles que dizia serem medíocres. Tão cego de si próprio nunca tinha conseguido ver isto! Este ímpeto inicial, de Colombo ao avistar a América, esvaneceu-se ao perceber que inconscientemente já sabia de tudo isto. Até aqui nada de novo pensou.
E foi então que o clímax de toda a História da Humanidade se deu, que a resposta para o seu mal, para o mal do mundo, para o fim da fome e da infelicidade o atingiu. Espantado ao perceber o que tinha descoberto, a sua típica atitude surumbática só lhe permitiu contudo, virar o copo de uma vez e apagar o cigarro antes de fechar os olhos, deitado no sofá, como se dormir fosse o prémio da sua revelação. De olhos fechados sentiu-se de repente completo, preparado para mudar tudo. João, sentia, ou pelo menos pensava q sentia, já tinham passados muitos desde a última vez que isso tinha acontecido. Less drama beauty Queen, pensou, deixa-te de merdas. Focando novamente a sua descoberta, só desejou que a manhã seguinte chegasse tão rápido quanto o sono o permitisse. Ia mudar o mundo, revolucionar a realidade social, implementar um novo sistema económico, tornar a demagogia politica, numa política de facto, trazer paz e harmonia para todos. Não ia ser fácil, mas sentia que iria conseguir. Tinha a solução para tudo! Qual?.. Sentiu de repente medo de pôr em papel não fosse o papel o trair, do o dizer alto, porque as paredes como se sabe são desbocadas. Não, pensou desconfiado, amanhã decido o que fazer. Suspirou e rapidamente adormeceu.
A sua empregada, sorrindo do seu fim-de-semana no avançado que tinha Costa, foi a primeira pessoa que o viu após este episódio que prometia ser o ponto de viragem da Humanidade. Para lá do cheiro nauseabundo que sentiu ao abrir a porta, e do grito de pânico ao o encontrar deitado no sofá, inerte, com o seu habitual bronze numa mistura de roxo e verde, não deixou de ficar impressionada, como todos os que o viram depois, com aquele sorriso sereno que a cara de João vestia. No único momento que precisava de viver, que ia fazer algo de útil pelo Mundo, o seu coração, mal tratado por anos de uma vida pouco recomendável, falhou, um ataque cardíaco fulminante fez João chegar ao Game Over sem que sequer se tenha apercebido.
João ia de facto mudar o mundo se não tivesse morrido. Mas já não vai. De facto, os “Joões” deste mundo nunca são poupados, pois o Universo, com um típico humor negro, nunca vai permitir que alguém chegue ao final do jogo, derrote o último Boss, veja a sequência final que todos querem ver e viva para contar. E nós, mesmo que por cá permaneçamos por mais um tempo, na ignorância infinita, também só duramos até o Universo se aborrecer das nossas vidas mesquinhas e fúteis. Está é a “lei de João”, por muito que ninguém saiba da sua existência e o mundo rode, como sempre, na ignorância de tal facto.
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